Essa é uma edição especial do Por (entre)linhas, escrita com as duas mãos ocupadas — por filhos, por palavras, por dúvidas. Uma carta para todas as mães que escrevem (ou tentam), e para todas as escritoras que são mães. Publicada neste mês em que se fala tanto de maternidade, mas ainda tão pouco do que ela realmente é.
Cara Mãe-Escritora, Cara Escritora-Mãe,
Sei que nem sempre essas duas palavras caminham lado a lado no imaginário das pessoas. Talvez você também já tenha sentido que, ao assumir uma, o mundo espera que abra mão da outra. Como se escrever demandasse um silêncio que a maternidade não permite, como se a maternidade exigisse uma entrega que a escrita ameaçaria.
Mas aqui está você. Escrevendo entre o medo de errar, de faltar, de não perceber um sinal. Escrevendo enquanto a mente revisa horários, sintomas, conversas, reações. Com culpa por desejar um momento só seu, por não escrever o suficiente, por não estar o tempo todo presente, por perder a paciência. Escrevendo com cansaço, com meio corpo — e, às vezes, com raiva também. Porque ser mãe e escritora é viver com o coração pleno e, ao mesmo tempo, encolhido.
Talvez por isso eu esteja aqui agora, escrevendo essas linhas — dando voltas, tentando encontrar a melhor forma de te perguntar algo que tenho me perguntado o tempo todo:
O quanto ser mãe atravessa a sua escrita?
Sabe, antes de ser mãe eu não era escritora. Escrever parecia algo muito distante, quase como se não fosse parte de mim. Mas agora, cada momento vivido, cada gesto desse corpo que gerou outro corpo, tem um peso diferente. É como se a maternidade tivesse me imposto um filtro, como se tudo o que eu vivo e sinto precisasse ser registrado, como se a experiência de ser mãe exigisse ser contada.
E exige!(?)
Não é mais uma escolha. É uma necessidade que brota a cada momento. A escrita se tornou uma maneira de lidar com o que é vivo, de dar forma ao amor-caos. Não posso mais ignorar essa pressão de colocar tudo em palavras.
Isso acontece com você também? Me diga, por favor.
Eu queria muito saber como isso se manifesta em você. Como a maternidade tem feito morada na sua escrita. Como os dias de ser mãe se transformam em palavras, se é que isso acontece. Eu te pergunto, porque sei que, você é uma mãe-escritora, uma escritora-mãe, e as palavras que escreve, talvez, seja a forma de dizer o que o mundo (não) te ouve.
Sei que, às vezes, parece que não há espaço para a sua escrita nesse turbilhão, mas eu peço que você olhe com atenção para as fendas por onde ela possa passar. Às vezes em forma de diário, bilhete, poema solto, mensagem nunca enviada. Às vezes em forma de livro inteiro, gestado como um corpo, revisto como um espelho.
Então, não deixe de me contar, porque, nesse caminho, também me encontro, tentando entender como essas duas partes de nós podem, ao mesmo tempo, se perder e se encontrar.
Se essa pergunta também atravessou você, me escreve. Quero muito saber.
Dessa outra mãe-escritora
Mabelly Venson é mãe da Giulia e Gabriel. Apesar educar os filhos para que eles võem, uma parte sua quer mantê-los embaixo de suas asas.
Desromantizar é Preciso
Em 2023 lancei meu primeiro livro sobre maternidade, o apenas mãe.
Muitas pessoas, ao olharem para o título, imaginam um livro bonitinho, algo sobre maternidade que se encaixa nos padrões do que a sociedade espera. Talvez isso aconteça porque, em sua grande maioria, os livros sobre maternidade costumam ser doces e delicados, pintando um quadro idealizado do que é ser mãe. Mas apenas mãe é o contrário. Ele é pesado e conta as coisas da maternidade que, geralmente, ficam escondidas debaixo do tapete, atrás da cortina, coisas que poucas vezes alguém tem coragem de dizer em voz alta.
Não é uma auto-biografia, mas talvez várias auto-biografias, pois compilo em uma única história, relatos ouvi de muitas mães.
A ideia de escrevê-lo veio após uma dessas notícias trágicas que tanto nos chocam — a de uma mãe que esqueceu o bebê dentro do carro. Enquanto muitos julgavam, eu só pensava o quão exausta essa mãe estava.
O livro tem, então, um apelo ao modo Shonda Rhimes: não deixem mãe nenhuma para trás.
Se você quiser conhecer um pouquinho mais do que está em apenas mãe, convido você a ler a resenha da maravilhosa poeta-mãe-escritora Francine Cruz, no canal Senhora Literatura. Ela escreveu uma análise muito sensível sobre o livro.
Comprar livros escritos por mães é mais do que apoiar uma obra — é sustentar espaços de escuta, tempo e voz para que elas continuem escrevendo, apesar de tudo.
Outros livros que indico sobre maternidade:
O nome dela não importa, de Sabrina Dalbello (poesia)
Do amor e outros ódios, de Camila Anllelini (crônicas)
As alegrias da maternidade, de Buchi Emecheta (romance)
Se palavras atravessadas tocam você, inscreva-se — por aqui, seguimos
costurando perguntas, partilhas e respiros.
Esta foi a edição especial do Por (entre)linhas para o Dia das Mães.
Um espaço para reconhecer, escutar e sustentar as vozes de quem escreve com o corpo, com o cansaço, com as palavras atravessadas pela maternidade.
Que sigamos abrindo frestas — umas para as outras.
Que texto bonito, Mabelly. Obrigada!