Poeta: substantivo feminino
Por que a palavra 'poetisa' incomoda e a prática de escrever metapoemas.
Vou confessar uma coisa para você: desde sempre, a palavra poetisa me incomoda. Toda vez que leio que uma escritora é poetisa, algo se revira nas minhas entranhas, num lugar bem específico entre o fundo da garganta e o diafragma. Sinto que a palavra poetisa carrega consigo todos os preconceitos de algo menor, menos sério, quase como um elogio vazio. Enquanto o poeta é forte, amplo, digno de admiração, a poetisa me soa como um diminutivo – algo que remete a versinhos, coisas pequenas, feitas por quem escreve só por passatempo.
Experiemente falar em voz alta “poeta” e “poetisa”. Sentiu a diferença na entonação?
Tanto que, em 2022, quando fui instigada por Luci Collin a escrever um metapoema, acabei abordando exatamente esse tema.
Com o tempo, estudando esse assunto, percebi que não estava sozinha nesse incômodo. A poesia escrita por mulheres, por muitos séculos, foi tratada com um olhar condescendente. Não importa o quanto os versos fossem brilhantes, ousados ou revolucionários – sempre havia quem os tratasse como coisas de "sensibilidade feminina", algo delicado demais para ser levado a sério.
Por sorte, algumas mulheres romperam com esse rótulo. Cecília Meireles, no poema "Motivo", nos dá um exemplo claro de como o ato de criar pode ser, por si só, um manifesto de liberdade. Ela era poeta – como deve ser.
Essa reflexão vai além da semântica. Quando insistimos no uso da palavra poeta para mulheres, reafirmamos que a poesia não precisa de diminutivos ou rótulos baseados em gênero. Reivindicamos um espaço igualitário, em que todas as vozes possam ser ouvidas com a mesma força.
Hilda Hilst, Luci Collin, Bruna Mitrano, e tantas outras mulheres também nos ensinam isso. Suas obras nos mostram que a poesia escrita por mulheres não é menor, nem mais frágil – ela é tão vasta quanto a experiência humana e tão feroz quanto a própria criação.
Qual poeta mulher marcou você? Compartilhe comigo!
Se você é mulher e escreve poemas, por favor, aproprie-se da palavra poeta. Afinal, poeta é substantivo feminino.
Para continuar escrevendo
Que tal experimentar escrever um metapoema?
Um metapoema é um poema que reflete sobre o poema ou próprio ato de escrever poesia. Ele pode abordar o processo criativo, as escolhas da poeta, os desafios da escrita ou até mesmo questionar o papel da poesia no mundo. É como se o poema olhasse para dentro de si e revelasse suas camadas, suas intenções e suas contradições.
Para começar, você pode refletir sobre questões como:
O que significa para você ser poeta?
Como é o processo de transformar sentimentos, ideias ou experiências em versos?
A poesia tem limites ou é um espaço de liberdade infinita?
Escreva livremente, sem medo de errar. Afinal, o ato de criar já é, por si só, um manifesto de liberdade.
Se quiser compartilhar seu metapoema me envie uma mensagem, adoraria saber como foi sua experiência!
Ainda não se increveu?
Amei o post e vou contribuir com um metapoema que acendi no ano passado:
POÍESIS
não adianta, benzinho!
verso é coisa de acender
gravetos de verbo na areia da página
um luar que (re)pousa
bafejos arfando bobagenzinhas poéticas
e teu penetrável olhar na minha palavra (até que ela te suspire)
sem isso é desencontro e nada
não faz química
não dá poema
Amei ler seu texto. Espero ler mais coisas assim. Transcrevo a tentativa de metapoema que enviei por e-mail mais cedo.
Erro pelos caminhos do poema
Atravesso seu deserto
com uma palavra apenas
Tropeço… Ah, como tropeço!
E não raras vezes caio
Escrever é arriscado, eu sei
Porém, é proibido não escrever!
Se são bons ou maus versos não sei
Errar é a sina do homo-poeticus.